"Matastes a quem tanto vos amava. Matastes meu corpo,
mas minha alma está no céu."
Contam os escritos que estas palavras foram ouvidas pelos
índios que assassinaram o missionário jesuíta Roque Gonzalez e seus
companheiros, padres Afonso Rodrigues e João de Castillo, em 1628. As palavras
foram prodigiosamente proferidas pelo coração de padre Roque, ao ser
transpassado por uma flecha, porque o fogo não tinha conseguido consumir.
Os três padres eram jesuítas missionários na América do Sul,
no tempo da colonização espanhola. Organizavam as missões e reduções
implantadas pela Companhia de Jesus entre os índios guaranis do hoje chamado
Cone Sul. O objetivo era catequizar os indígenas, ensinando-lhes os princípios
cristãos, além de formar núcleos de resistência indígena contra a brutalidade
que lhes era praticada pelos colonizadores europeus. Elas impediam que eles
fossem escravizados, ao mesmo tempo que permitiam manter as suas culturas. Eram
alfabetizados através da religião e aprendiam novas técnicas de sobrevivência e
os conceitos morais e sociais da vida ocidental. Era um modo comunitário de
vida em que todos trabalhavam e tudo era dividido entre todos. O grande sucesso
fez que os colonizadores se unissem aos índios rebeldes, que invadiam e
destruíam todas as missões e reduções, matando os ocupantes e pondo fim à rica
e histórica experiência.
Roque foi um sacerdote e missionário exemplar. Era
paraguaio, filho de colonizadores espanhóis, nascido na capital, Assunção, em
1576. A família pertencia à nobreza espanhola, o pai era Bartolomeu Gonzales
Vilaverde e a mãe era Maria de Santa Cruz, que o criaram na virtude e piedade.
Aos quinze anos, decidiu entregar sua vida a serviço de Deus. Ingressou no
seminário e, aos vinte e quatro anos de idade, foi ordenado sacerdote. Padre
Roque quis trabalhar na formação espiritual dos índios que viviam do outro lado
do rio Paraguai, nas fazendas dos colonizadores.
O resultado foi tão frutífero que o bispo de Assunção o
nomeou pároco da catedral e depois vigário-geral da diocese. Mas ele renunciou
às nomeações para ingressar na Companhia de Jesus, onde vestiu o hábito de
missionário jesuíta em 1609. Depois, passou toda a sua vida a serviço dos
índios das regiões dos países do Paraguai, Argentina, Uruguai, Brasil e parte
da Bolívia. Em 1611, chefiou por quatro anos a redução de Santo Inácio Guaçu.
Em 1626, fundou quatro reduções: Candelária, Caaçapa-Mirim, Assunção do Juí e
Caaró.
Foi na Redução de Caaró, atualmente pertencente ao Brasil,
que os martírios ocorreram, em 15 de novembro de 1628. Depois de celebrar a
missa com os índios, padre Roque estava levantando um pequeno campanário na
capela recém-construída, quando índios rebeldes, a mando do invejoso e
feiticeiro Nheçu, atacaram aquela e a vizinha Redução de São Nicolau. Mataram
todos e incendiaram tudo. Padre João de Castillo morreu naquela de São Nicolau,
enquanto padre Afonso Rodrigues, que ficou na de Caaró, morreu junto com padre
Roque Gonzales, esse último com a cabeça golpeada a machado de pedra.
Dois dias depois, os índios rebeldes voltaram para saquear
os escombros. Viram, então, que o corpo de padre Roque estava pouco queimado,
então transpassaram seu coração com uma flecha. Foi aí que ocorreu o prodígio
citado no início deste texto e mantido pela tradição. Eles foram beatificados
pelo papa Pio XI em 1934 e canonizados pelo papa João Paulo II em 1988, em sua
visita à capital do Paraguai. A festa de são Roque Gonzales ocorre no dia 17 de
novembro.
Fonte: Paulinas